A comunicação humana é uma troca de sentimentos e necessidades entre duas ou mais pessoas. “Quando uma mensagem deve ser transmitida, tipicamente as pessoas utilizam a linguagem, que, quer falada, escrita, ou por sinais, envolve um sistema que transmite um significado” (BOONE; PLANTE, 1994, pg. 83).
Comunicação suplementar e/ou alternativa refere-se a todas as formas de comunicação que possam complementar, suplementar e/ou substituir a fala. Dirige-se a cobrir as necessidades de recepção, compreensão e expressão da linguagem e, assim, aumentar a interação comunicativa dos indivíduos não-falantes (VON TETZCHNER; JENSEN, 1996).
De acordo com Thiers (1995); von Tetzchner (1997) e von Tetzchner e Martinsen (2000) a comunicação alternativa tem como objetivo promover a fala e garantir uma forma alternativa de comunicação.
Nunes (2001), complementa afirmando que comunicação alternativa envolve o uso de gestos, expressões faciais, símbolos gráficos (incluindo a escrita, desenhos, gravuras e fotografias) como forma de efetuar a comunicação de pessoas incapazes de se utilizarem à linguagem verbal.
A Psicóloga Lucília Augusta Reboredo, traduz seus sentimentos, expressa suas emoções.. Através dos olhos..
Escrever com os olhos para reinventar a vida
“Meu intelecto e meus afetos não reconhecem mais o corpo que antes os concretizavam na relação entre o pensar e o fazer. Filosoficamente, é como se eu estivesse vivendo a separação do espírito e da matéria. O reencontro dá-se no riso e no choro, quem sabe por meu corpo ainda ter autonomia para viabilizar tais emoções. São três anos de angústia, desespero e tristeza indescritíveis. Entretanto, sempre acreditei que o ser humano possui possibilidades de reinventar a vida em quaisquer circunstâncias. E essa crença me faz sentir que apenas ‘quebrei as asas’ e terei de aprender a alçar outros e novos vôos”. Assim, de forma abrupta e sublime, o leitor é convidado a percorrer o curso e percurso do adoecimento, pela esclerose lateral amiotrófica (ELA), da profa. Lucília Augusta Reboredo.
O livro “A Dança dos Beija-flores no Camarão Amarelo” (Jacintha Editores), a ser lançado em setembro, foi soletrado com os olhos: cada frase viu-se construída num lúcido exercício psíquico e ditada, letra a letra, pelo movimento ocular entre uma tabela alfanumérica e a pessoa que estava ao lado para grafar a sinalização dada pelo olhar. O relato da autora teve início em 2006 e corresponde ao período em que sofreu perdas motoras irreversíveis, até a imobilidade total – com exceção do movimento dos olhos. Como destaca Mariá Aparecida Pelissari, que assina a introdução: “É soletrando com os olhos que Lucília constrói sentidos. Essa base para sua expressão é uma espécie de escritura de si, pois que, ao narrar seu percurso recente, Lucília se reinventa e possibilita sua nova inscrição no mundo. Assim, este livro confere o suporte ideal para ela ocupar um lugar na escrita de si, ao autorizar-se a publicar e esperar algum efeito no outro e em si própria. Por suas páginas, os olhos de Lucília falam, sorriem, ensinam abraçam”.
Aqueles que tiveram o privilégio de conviver com a profa. Lucília no ambiente acadêmico guardam na memória a imagem fotográfica que o leitor encontrará no livro. Doutora em psicologia social, sua atuação política foi marcada pelo compromisso com o resgate da cidadania através de novos laços de convivência social. Participou de movimentos decisivos na luta por dignidade e justiça. Como guerreira amazona enfrentou o adoecimento de um câncer e, quando brindava a vitória sobre ele, recebeu a trágica notícia d’ELA, doença neurológica paralisadora dos comandos motores. Foi perdendo os movimentos das pernas, dos braços, das mãos, da deglutição, da respiração – o único mantido é o dos olhos. Mas seu corpo preserva todas as sensações, que só restam ser comunicadas e expressas justamente pelos olhos.
Nesse percurso, a profa. Lucília tem sido capaz de superar a si mesma: “creio que levei minha existência inteira ultrapassando meus próprios limites. Não foi por acaso que, vindo de uma família pobre de imigrantes portugueses, nascida em uma aldeia na região de Trás-os-Montes, cheguei a me formar doutora em psicologia e ser professora universitária. E por isso, também, eu tinha tanta resistência em aceitar minhas limitações físicas”. Mas logo percebeu que a ELA não paralisava sua criatividade. E, como sempre fez, reinventou possibilidades comunicativas: “Pintar telhas dava-me enorme prazer, pois com elas eu expressava minha subjetividade na relação com as pessoas que eram ou me estavam sendo significativas. Além disso, simbolicamente eu pensei ser assim uma forma de protegê-las, já que a telha é um elemento de abrigo”.
Com a progressão da ELA, a cada nova restrição, uma nova alternativa de expressão. Quando já não conseguia se alimentar sozinha, escovar os dentes, pentear os cabelos, enxugar o corpo, segurar um livro, abraçar pessoas… Lucília começou a pintar mandalas coloridas, cada qual com um título, um nome, um traço significante que envolve o expectador/leitor numa rede de significação. Suavemente Lucília afirma haver vida para além d’ELA. Seu desejo convidativo (“espero sinceramente que goste do que vai encontrar aqui”) só pode ser acolhido, tal a generosidade com que nos convoca a fazer da vida, assim como ela própria o faz, uma obra de arte. Artigo Publicado no Jornal de Piracicaba (07/08/2010).
Com o auxílio da enfermagem Lucília utiliza a tabela para "escrever"
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